terça-feira, 24 de julho de 2018
KLESHAS
Condicionamento e sofrimento
Os três primeiros anos de vida são extremamente importantes no desenvolvimento de uma pessoa. Os estudos de temperamento ou de personalidade mostram que estes são características inatas, ou seja, já estabelecidos no momento em que uma criança nasce. No entanto, o modo como uma pessoa aprende a compreender ou controlar o seu temperamento é um processo que continua durante toda a sua vida. Os factores naturais, genéticos e ambientais contribuem para o desenvolvimento da nossa personalidade, os nossos valores, crenças e expectativas.
Primáriamente, consideramo-nos como um corpo físico ou um complexo de corpo-mente, regido por impulsos e instintos. O sofrimento (dukha), é devido ao nosso condicionamento desde o nascimento até ao fim da vida. Tendemos a pensar e a agir de acordo com o conceito de nós próprios (inato ou formado pela visão de quem somos, aos olhos de quem nos rodeia). Isto tem profundas implicações psicológicos e sociais que podem ser úteis ao indivíduo ou sociedade mas são restritivas para o nosso desenvolvimento espiritual. Ao longo da vida, formamos conceitos verídicos e falsos de quem somos na realidade.
Segundo a filosofia do yoga, nascemos com uma herança “kármica” de padrões mentais e emocionais. As nossas experiências, que deixam a sua marca ou impressão, (samskara), podem levar a mente a lugares edificantes, que nos alimentam positivamente, ou então para lugares escuros, que obscuram a mente e levam à confusão. Com a orientação dos Yoga Sutras, entramos numa missão de busca e eliminação da nossa herança kármica (que leva à obscuridade mental), preservando o que nos alimenta e nutre mental e psicologicamente. Através de uma prática equilibrada, atingimos o discernimento de quais os samskaras que devem ser reforçados e quais os que devem ser restringidos.
Os samskaras são a causa dos cinco kleshas (fontes de sofrimento[1]) que são:
Avidya (ignorância) – A ignorância é o nosso estado natural quando não exercemos qualquer influência sobre a mente, deixando-a ser confundida com o que é permanente e o que é efémero (o que não muda e o que muda). É preciso estar atento quando surge, descobrir e examinar a sua fonte para poder domina-la. Eventualmente, com um esforço contínuo é possível enfraquece-la e fazer com que desapareça. Avidya é considerado a causa dos outros kleshas. Swami Satchidananda descreve-o como sendo “o campo para os mencionados a seguir, sejam eles dormentes, fracos, interceptados, ou sustentados.”[2]
Asmita (ego; a nocão de “eu sou”) – Este klesha refere-se ao pensamento da existência individualizada que permeia o complexo de corpo-mente por inteiro. É esta percepção individualizada que contém projeções falsas de quem somos na realidade. Como não é fácil perceber a existência do Ser, identificamo-nos com o corpo-mente, a nossa identidade social, os nossos atributos individuais de personalidade e as nossas experiências. É necessário alterar a nossa percepção da realidade que o ego projecta, de modo que todo o universo deixe de ser dividido em “eu” versus “não-eu”.
Râga (atração) – O resultado da ignorância da nossa verdadeira natureza faz com que percebamos a nossa existência como sendo dolorosa. Desenvolvemos várias estratégias para nos distrair desta existência, acabando por criar uma atração e apego aos acontecimentos agradáveis – passados e presentes – para satisfazer e ampliar o “eu”. Desejamos adquirir qualquer coisa que possa proteger a nossa frágil existência individualizada, como por exemplo, segurança, amor, reconhecimento, riqueza, ou poder. Contudo, a atração para as coisas e a sua aquisição é limitada e transitória; os nosso sentimentos de prazer desaparecem e recomeçamos a nossa busca, inevitávelmente, tornando-nos presos num ciclo interminável.
Dvesha (aversão) – Às vezes, quando percebemos que todos os objetos/objectivos dos nossos desejos são efémeros, e portanto, sujeitos à perda a qualquer momento, sentimo-nos ansiosos. Na ocurrência da perda, o sofrimento e a dor causada desenvolvem sentimentos de desgosto, raiva, e até, ódio a nós próprios. O desenvolvimento da aversão para evitar a mesma experiência, leva-nos a criar ainda mais padrões de aquisição numa tentativa de nos distrair dos sentimentos negativos.
Abhinivesha (apego à vida) – a nossa identificação com o complexo de corpo-mente e o nosso apego aos padrões de aquisição para o satisfazer, leva-nos a temer o fim da nossa existência com a morte do corpo físico. Podemos estar conscientes ou não desse temor, tal como podemos estar conscientes ou não que a morte seja algo fora do nosso controle. Podemos sentir que a morte representa um fim da nossa capacidade de satisfazer os desejos, e ao pensar que deixaremos de existir, aumenta o apego à vida.
Os cinco kleshas variam em intensidade na nossa psique, com a avidya a ser a raiz dos outros. São a causa do equívoco da nossa verdadeira realidade, fazendo com que aceitemos o temporário como eterno, criando sofrimento. Os kleshas também nos prendem ao ciclo de nascimento e renascimento, e assim impedem-nos de alcançar o auto-conhecimento e libertação (moksha).
A primeira etapa do trabalho com os kleshas é simplesmente reconhecê-los. Ao reflectir sobre oskleshas, descobriremos as suas raizes, bem como a forma como criam o sofrimento, o que nos ajudará a superá-los e a purificar a mente. Libertando-nos dos kleshas, ficaremos com uma consciência mais clara de nós próprios e da realidade do mundo.
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